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A RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR NA SOCIEDADE LIMITADA. São funções da administração da sociedade, no plano interno, administrar a empresa, isto é, organizar os fatores de produção (capital financeiro, trabalho, recursos naturais e recursos tecnológicos) com vistas à maximização do resultado econômico empresarial, e, no plano externo, manifestar a vontade da pessoa jurídica, formada através dos conclaves dos sócios (reuniões ou assembléias). Como conseqüência, dele se exige que, no exercício de suas funções, empregue “o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios” (CC, art. 1.011, e LSA, art. 153). Esse dever, em que pese a natureza orgânica da administração societária, coaduna-se com aquele atribuído ao mandatário, ao qual incumbe “aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato (...)” (CC, art. 667). A irresponsabilidade pessoal do administrador, no entanto, restringe-se aos atos praticados regularmente, pois, pelos atos que praticar em desacordo com a lei ou com os estatutos sociais, ou pelos prejuízos que causar à sociedade ou a terceiros no desempenho de suas funções, responde ele pessoalmente. Nas sociedades limitadas regidas supletivamente pelas normas das sociedades simples, esta responsabilidade é atribuída, principalmente, pelo art. 1.016 do Código Civil, que dispõe: “Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.” Já nas sociedades limitadas regidas supletivamente pela Lei das Sociedades por Ações, a responsabilização pessoal do administrador por atos irregulares se dá por força do art. 158 daquele Diploma, verbis: “Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II – com violação da lei ou estatuto. § 1o. O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, ao Conselho Fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia geral. (...).” Percebe-se, porém, pelos dispositivos legais acima transcritos, que a responsabilização pessoal do administrador por atos praticados no exercício da função está condicionada, indispensavelmente, à existência do elemento culpa, em sentido lato. O mesmo princípio, com algumas divergências doutrinárias e jurisprudenciais, é aplicável inclusive às obrigações tributárias (CTN, art. 135, III), previdenciárias (Lei nº 8.620/93, art. 13, par. ún.) e trabalhistas, em que a responsabilização pessoal do administrador pelas dívidas da sociedade depende da prova de que atuou com dolo ou culpa. Do exposto, é de se concluir que a responsabilidade do administrador por prejuízos causados no desempenho de suas funções tem natureza subjetiva, afastando-se, por conseguinte, a sua responsabilização pessoal pelos atos regulares de gestão, ou seja, aqueles praticados em consonância com a lei e com os estatutos sociais, pelos quais responderá a sociedade. Visto que o administrador responde pessoalmente apenas pelas ilicitudes que praticar no exercício da função, emerge a questão acerca da responsabilidade da sociedade limitada pelos atos praticados pelo seu representante com abuso ou com uso indevido do nome social. No direito anterior, a regra era a da responsabilização da sociedade pelos atos ultra vires praticados por seus administradores, cabendo àquelas o direito de regresso contra estes. Entendia-se que, segundo o art. 10 do Decreto nº 3.708/19, a sociedade era sempre responsável pelos atos praticados em seu nome, pois, do contrário, seria despicienda a regra que impunha aos seus dirigentes a responsabilidade perante a sociedade e terceiros decorrente do excesso de mandato ou da prática de atos violadores da lei ou do contrato (CAMPINHO, 2003). À luz do novel direito civil, todavia, a resposta àquela questão alterou-se, sendo agora trazida pela inédita regra do parágrafo único do art. 1.015 do Código Civil, que, com forte inspiração na ultra vires doctrine, dispõe: “Art. 1.015. (...). Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II – provando-se que era conhecida do terceiro; III – tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.” Com isso, vigora atualmente o princípio da irresponsabilidade da pessoa jurídica por atos praticados por seus representantes com abuso ou uso indevido do nome social, desde que presente pelo menos uma das hipóteses dos incisos I a III do dispositivo legal acima referido. Carvalhosa (2003) defende a aplicação deste princípio, por analogia, não só para as sociedades limitadas regidas supletivamente pelas regras das sociedades simples, mas, também, para aquelas adotantes da regência supletiva da Lei nº 6.404/76, posto que esta não contém nenhum dispositivo tratando do assunto, aplicando-se ao caso a norma do art. 1. 089 do Código Civil. Do confronto da teoria ultra vires, de um lado, com a teoria da aparência e com a aplicação do princípio da boa-fé, de outro, nasce um importante debate, contrapondo os interesses da sociedade lesada pela conduta de seu administrador ímprobo e os do terceiro que, imbuído da informalidade característica dos negócios mercantis, ou limitado por sua hipossuficiência (consumidor), ou, ainda, premido pela celeridade das contratações em massa, deixou de conferir os poderes do preposto da sociedade com que contratava. Assim, prestigiosa doutrina tem sustentado a necessidade de temperamento da teoria ultra vires, interpretando-se o parágrafo único do art. 1.015 do Código Civil em conjunto com o art. 422 do mesmo Diploma, que impõe aos contratantes o dever de guardar o princípio da boa-fé na conclusão e execução dos contratos, de forma a se apurar, com base nas circunstâncias concretas do caso, se era exigível, do terceiro, ao contratar com a sociedade, a cautela de examinar seus atos constitutivos ou os instrumentos de nomeação dos respectivos representantes. Por este raciocínio, tal prudência seria dispensável, por exemplo, nos contratos de adesão e naqueles negócios celebrados no estabelecimento comercial, em que prevaleceria o princípio da aparência, ao passo que, inversamente, nos negócios mercantis por assim dizer personalizados, em que os termos do contrato são detidamente analisados e discutidos pelas partes antes do pacto definitivo, já seria razoável exigir-se do contratante o cuidado de conferir os reais poderes do representante da contraparte. Conclui-se, com base no que foi aqui exposto, que, à luz do novo Código Civil, a responsabilidade do administrador da sociedade limitada tem natureza subjetiva, exigindo-se que tenha agido com dolo ou culpa, para que responda pessoalmente pelos prejuízos causados à sociedade, ou solidariamente com esta pelos danos ocasionados a terceiros. Quando, porém, praticar atos com abuso ou uso indevido do nome social, responderá sozinho pelas obrigações assumidas perante terceiros ou pelos danos a estes impostos, desde que, pelas circunstâncias concretas do caso, não se pudesse exigir do terceiro a diligência de conferir os atos societários, hipótese em que, mitigando-se a norma do parágrafo único do art. 1.015 do Código Civil pela aplicação dos princípios da aparência e da boa-fé, considerar-se-á obrigada a sociedade, cabendo a esta o direito de regresso contra seu representante. *Texto originalmente elaborado para a disciplina Sociedades Limitadas no Curso de Especialização em Direito Empresarial da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado – FECAP.
Referências CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil, 3a ed. rev. e ampl.. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052 a 1.195), vol. 13 (coord. Antônio Junqueira de Azevedo). São Paulo: Saraiva, 2003. COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial, vol. 2, 5a ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. São Paulo: Saraiva, 2003. REQUIÃO. Rubens. Curso de direito comercial, vol. 1, 25a ed. atual. por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2003. |